Neste mês, entrevistamos o psicólogo, psicanalista e pesquisador Luiz Alberto Hanns, um dos palestrantes do 1º Seminário Internacional de Mães, promovido pela Pais&Filhos e pelo Grupo Sou Mãe. Especialista em relacionamentos familiares, Luiz Hanns é autor do livro A Equação do Casamento, terapeuta de casal há mais de 20 anos e pai de duas meninas, Antonia e Julia. Fomos ao consultório dele para falar sobre casamento, divisão de tarefas e a tão sonhada felicidade. Para o especialista, o que precisamos realmente é ter uma vida que valha a pena e não buscar o equilíbrio. Difícil, né? Ainda mais porque estamos acostumados ao bombardeio de imposições por uma vida mais saudável, trabalho dos sonhos, juventude eterna, filhos perfeitos… E o que ele nos diz é: encontre que desequilíbrio para você, na sua equação de vida, faz mais sentido. E o que sua experiência profissional e pessoal lhe disseram sobre família.
P&F: Você é terapeuta de casal há mais de 20 anos. Como é que vai o casamento hoje em dia, em geral?
Luiz Hanns: Houve uma estabilização nas estatísticas de divórcios, antes o número vinha crescendo muito. Agora, mais ou menos de 45% a 50% dos casais depois de 15 anos juntos se separam. Essas estatísticas são internacionais. No Brasil, a gente não tem boas estatísticas, mas não deve ser muito diferente nas grandes cidades. Dos que continuam casados, mais ou menos 50% se diz insatisfeito com a relação, ou seja em torno de um quarto dos casais, 25%, declara que não está feliz. E o outro um quarto diz “estou satisfeito com o meu casamento”, então, se a gente acreditar nas estatísticas, 1 em cada 4 casais é feliz.
P&F: O diálogo no casamento parece ser uma coisa simples, mas não é, certo? Você acha que a gente está sabendo se ouvir?
LH: Não estamos. Mas uma coisa importante é que a comunicação, além de às vezes ser difícil entre uma pessoa e outra, é diferente entre homens e mulheres. O estilo de falar e de pensar é diferente. Existem muitos estudos sobre isso e no meu livro tem muitas dicas de gênero, de como o marido pode tentar se comunicar com a mulher e ela com ele. Mas, na verdade, há algo mais importante até do que o diálogo, a conversa, nós sabemos hoje, em todos os estudos, que a chave é o que chamamos de “conexão emocional”. Se houver uma sintonia emocional, as coisas funcionam. Se não houver essa conexão, mesmo que eu converse e fale, vai ficar no blablablá. A conexão emocional é o fator principal para que um casamento atravesse décadas com mais satisfação e mais cumplicidade, mesmo que entremeado por brigas, dificuldades econômicas, estresse, a carga de criar filhos, etc. Se houver conexão, tudo pode ser superado.
P&F: Hoje é mais complicado ser feliz?
LH: A mídia vende a ideia de que é possível ter uma vida balanceada e equilibrada. Não é possível ter uma vida equilibrada. É possível ter uma vida que valha a pena. Vai ter que escolher que desbalanço e que desequilíbrio para você, na sua equação de vida, faz mais sentido. Não dá para você cuidar do seu corpo, da sua beleza, da sua saúde, do seu tempo de lazer, da sua vida de casal, educar bem filho, ter uma boa carreira, ter uma boa filha, ter amigos, estudar mais, andar no trânsito, comprar roupas. Isso não é viável, é impossível, não é uma questão de ser competente.
P&F: Mas quando vemos livros e pessoas nos dizendo que a felicidade está ao alcance de todos e não conseguimos, sentimos uma frustração imensa.
LH: Isso! Quando você vê celebridades contando que têm uma vida equilibrada, a maioria está te dizendo uma coisa que não é real. Um ou outro consegue. Porque ou tem uma genética especial, uma vitalidade especialíssima, que permite dormir só seis horas por noite, fazer tudo com foco, e ainda tem de ter algum grau de sorte. Então, com uma vitalidade inacreditável, foco e sorte, talvez 1 em 100 mil consiga ter uma vida equilibrada, mas isso não pode ser a sua meta. Você tem que escolher uma vida que valha a pena para você.
P&F: As pessoas hoje buscam metas inalcançáveis?
LH: Uma pesquisa mostra que, estranhamente, as pessoas tendem a estar mais satisfeitas e mais felizes entre os seus 50 e 65 anos. Uma época em que a experiência de vida, as tentativas e erros foram mostrando para as pessoas o que vale a pena e o que não vale. A gente sempre pensa que o jovem é que vive aventuras, mas o jovem costuma viver em tumulto, dilemas, inseguranças, o que tende a diminuir com a idade. Talvez a parte boa desse período de envelhecimento é que você começa a entender o que vale a pena, procurar sua satisfação. Contudo, felicidade é diferente de satisfação. Satisfação tem mais a ver com entender quem você é, respeitar os seus limites, entender o que te faz bem ou mal e o que vale mais a pena para você e saber como buscar isso.
P&F: Muita gente diz que a vida sexual acabou depois de os filhos nascerem. Você recebe muitas queixas desse tipo? Isso parece um ponto bem incômodo depois dos filhos.
LH: No meu livro existe um longo capítulo sobre a diferença da libido masculina e feminina, o que acende uma e outra. A forma como afloram tesão e desejo, como se sustentam, é muito diferente, corpos diferentes, psiques diferentes. Acontece que a relação da mulher com sexo é menos masturbatória do que a do homem, a sexualidade feminina é mais afrodisíaca. O corpo inteiro está envolvido e também o contexto e ambiente importam para ela. Para a mulher, tudo pode ser erótico ou tudo pode se tornar brochante. A sobrecarga que cuidar dos filhos pode diminuir a disposição sexual. Por isso muitas mulheres só voltam a ter interesse em ambientes afastados dos problemas, por exemplo, em viagens só do casal. Ela precisa ser estimulada e precisa estar relaxada. A maioria dos maridos não entende isso muito bem, porque a sexualidade masculina é diferente. A questão é que não podemos viver de viagens e lua de mel, a vida cotidiana é mesmo cheia de desafios e problemas.
P&F: Mas os problemas não fazem parte?
LH: Sim, mas as mulheres costumam se sentir muito sobrecarregadas também porque tentam dar conta de todas tarefas da vida. Os homens, em geral, simplesmente não atendem a todos os chamados, eles ignoram boa parte das necessidades dos outros.
P&F: E essa história de que o filho salva o casamento?
LH: Se os dois querem ter filhos, isso vai unir o casal, porque é um projeto em comum. Você quer ter um filho, eu também, então vamos ter e vamos ficar encantados. É um projeto. A família é o que mais nos mobiliza, é um grande ideal dos dias de hoje. Então, nesse sentido, filhos e formar uma família pode unir o casal. Por outro lado, o maior estresse associado a cuidar de filhos pode, para alguns casais, significar mais irritabilidade, menos vida a dois, e um maior desgaste da relação. Daí, a regra geral é que filhos acrescentam felicidade se o casal estiver bem e souber lidar com o preço de mais trabalho e esforço.
P&F: E você não acha que a gente tem que ter essa conexão emocional também com os filhos?
LH: Sem dúvida. Na verdade, conexão emocional é necessária em todas as relações humanas. Se essa parte não funciona, vamos ter cada vez mais conflitos conosco e com os outros. A nossa dificuldade é escutar o outro de verdade, manter o diálogo. Conexão emocional é, na verdade, eu ter uma conexão com os seus pensamentos e com suas emoções, é eu escutar o seu sonho e a sua dor. E poder conversar com essa parte em você.
P&F: O pai e a mãe atuais costumam ter um consenso sobre a educação dos filhos ou isso ainda gera muitos conflitos?
LH: O que está acontecendo é que em todas as áreas do cotidiano está havendo uma expropriação dos saberes tradicionais. A sua avó e o seu avô sabiam como se alimentar, curar uma gripe, como criar filhos, como tocar um casamento, como organizar uma festa, como trabalhar. As pessoas tinham saberes tradicionais, usos e costumes. E não tinham, portanto, muitas divergências sobre o que fazer. Hoje você não tem certezas absolutas. A vida tornou-se muito complicada. Saberes foram expropriados, não há mais usos e costumes. Tudo tem que ser pactuado entre as pessoas, não há mais regras, são pactos, acordos. Os próprios especialistas divergem. E a educação dos filhos foi atingida do mesmo modo. Não sabemos mais o que fazer. Daí nunca se leu tantos livros, se deu tantos cursos, se teve tantas divergências e o ambiente todo se tornou mais desafiador. Pais e mães sem apoio de usos e costumes, buscando atingir metas educacionais difíceis e com muito medo de dar limites e traumatizar os filhos acabam por divergir mais, discutir mais e se desgastar.
P&F: E como entre tantos dilemas conseguimos ensinar valores para a criança?
LH: Primeira coisa, valores que não são explicados dificilmente serão transmitidos e fixados. Como você vai transmitir para essa criança o valor de ser ordeiro ou ainda de não sujar para deixar o outro limpar? Isso não vai ser conseguido só dando exemplo, porque ela vai ter outros exemplos no ambiente, você vai ter que sentar e explicar e praticar com ela como lidar com as situações. Nisso entra a arte do diálogo e de promover mudanças de atitude. Isso é um trabalho de educação, não tem como deixar de fazê-lo. Educar exige, além de um bom exemplo, um empenho de ensinar e praticar com o seu filho. Por exemplo, você quer que ele leia. Se você é um leitor de muitos livros, servirá de exemplo inspirador, mas ele tem em casa videogame, televisão e tablet. Ele naturalmente tenderá a não se tornar um leitor e ficar nos eletrônicos se não houver o estímulo. Além de você servir de exemplo lendo, seu filho precisará ser induzido e conduzido a ler: você terá que diminuir a disposição de eletrônicos, estimular a leitura e mostrar como fazer. Isso implica trabalho grande, que vai além de dar bom exemplo ou só dar limite. Conscientizar, explicar e praticar.
P&F: Para a Pais&Filhos, família é tudo. E para você?
LH: Como pai e marido, sim, minha família é tudo para mim também. Mas como psicólogo clínico, entendo que algumas pessoas não queiram se casar ou ter filhos e que a família não seja tudo. Cada um terá de descobrir o que vale a pena na vida para si!