Vivemos um tempo em que quase tudo — do trabalho às receitas de bolo — passa por uma tela. E, naturalmente, a infância também está entrando nesse circuito. Mas será que a gente precisa escolher entre o mundo real e o mundo digital para criar nossos filhos? A resposta pode estar no brincar. Porque o equilíbrio entre o real e o digital não começa na adolescência, mas na base, desde o início da infância.
“O melhor caminho, então, é buscar para as infâncias e adolescências o equilíbrio, de maneira que elas possam explorar com segurança os aspectos positivos do uso das tecnologias, ao mesmo tempo em que são incentivadas a explorar e a vivenciar as experiências que só o mundo físico e a interação social podem proporcionar.” (Agenda 227*)
E quem é que melhor oferece essa vivência rica do mundo físico e da interação social do que o brincar?
Brincar está presente tanto no mundo real quanto no digital, mas é no corpo em movimento, na interação olho no olho, na criatividade com objetos simples, que as crianças constroem as bases do seu desenvolvimento — físico, emocional, cognitivo e social. É brincando no mundo real que elas aprendem a fazer escolhas, a lidar com frustrações, a experimentar, a criar e a imaginar.
Essas habilidades, adquiridas desde cedo, são fundamentais para que lá na frente, na pré-adolescência e adolescência, elas possam se relacionar com o mundo digital de forma mais equilibrada.
Quem brinca com liberdade hoje, tem mais chance de usar a internet com consciência amanhã.
Quem desenvolve pensamento crítico e criatividade com caixas de papelão, tecidos e folhas secas, vai saber interagir com inteligência artificial sem depender dela para tudo — ou pior, sem ser manipulado por ela.
Esse caminho não precisa ser inventado. Ele já está garantido em lei. O direito ao brincar está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Plano Nacional pela Primeira Infância, no Marco Legal da Primeira Infância e, mais recentemente, também na Lei nº 14.826/2024, que reconhece o direito ao brincar como estratégias de prevenção à violência contra crianças. Sim, brincar também é proteção. No caso do tema desta coluna, brincar é proteção contra a violência do mal uso das redes sociais e da tecnologia.

Cabe ao Estado garantir espaços, políticas e programas que respeitem esse direito. Cabe à sociedade valorizar o brincar e promovê-lo em todos os lugares onde há uma criança. E cabe às famílias, especialmente na Primeira Infância, saber que existe respaldo legal para priorizar a brincadeira na vida das crianças, inclusive resistindo à imposição precoce das telas.
É possível usar a brincadeira como uma aliada poderosa na construção de uma infância saudável e cheia de possibilidades.
Promover o brincar não é resistir à tecnologia. É preparar o terreno para que ela entre na vida das crianças no tempo certo, com raízes bem fincadas na realidade. E quanto mais a gente oferece o brincar como parte da rotina, como gesto de afeto, mais estamos ajudando a construir esse equilíbrio entre os mundos.
Quanto mais experiências ricas no mundo físico a criança tiver, mais segura e preparada ela estará para fazer escolhas conscientes no mundo digital.
Brincar é o caminho do meio. E o melhor momento para começar é agora.
*Agenda 227 é um coletivo de instituições que advoga em defesa da infância junto aos promotores de políticas públicas e da sociedade em geral. O Tempojunto é uma das signatárias da Agenda 227.