Outro dia, fui convidada a gravar um episódio para o podcast PodAprender, do grupo Aprende Brasil de Educação, me pediram uma sugestão de pauta e a que veio em minha mente, foi: “Quem precisa mais de limites — as crianças ou os pais?”
Talvez a resposta seja: ambos. E não só de limites, mas também de mais ajuda, orientação e acolhimento.
Crianças precisam de contorno para crescer e adultos precisam de coragem para sustentá-los. Porque, diferente do que muitos pensam, limite não é sinônimo de repressão. É cuidado. É construção de vínculos. É afeto com proteção.
Na escola, recebo diariamente crianças pequenas com suas famílias e suas grandes questões.
Crianças, quando estão bem, não param, a não ser quando estão dormindo. Brincam, pulam, correm, comem, perguntam e desafiam o tempo todo. E é justamente por isso que precisam de adultos presents. Não apenas fisicamente, mas que estejam também emocionalmente disponíveis. Gente grande que saiba dizer “sim”, mas que também banque o “não”, mesmo quando ele traz lágrimas, raiva, birra. Bancar limites é também bancar o nosso desamparo.
Mas não se educa só com firmeza. Educa-se com firmeza, gentileza e atitudes. Quando um adulto diz “vou esperar você se acalmar e depois a gente conversa”, ele está ensinando mais do que regras: está ensinando humanidade, paciência e presença, coisa cada vez mais rara nesses tempos acelerados. Criar pessoas é demorado, dá trabalho, mas vale muito a pena.
O que percebo é que, muitas vezes, o que parece desregramento é só um pedido de ajuda. Será que uma criança que, em determinadas fases do seu desenvolvimento, que está demandando mais atenção e limites é desorganizada? Antes de qualquer rótulo, é preciso parar e pensar: será que dormiu bem? Será que está com fome? Ou sentindo falta de alguém? Lembrem-se: o comportamento da criança é a sua linguagem. E cabe ao adulto escutar com todos os sentidos bem aguçados.
Pais e mães, sobrecarregados pela rotina ou pela culpa de não estarem tanto com os filhos, às vezes cedem onde deveriam sustentar. Acham que vão compensar o tempo ausente com concessões. Mas amor que protege também é amor que frustra. Criança que não encontra limite, perde o contorno, se desorganiza. E pode transformar o adulto em alvo, através de reações com raiva, ficar mais desafiadora e testar ainda mais.

Já os professores, muitas vezes, conseguem dar limites de formas mais eficazes. Não porque sejam mágicos — embora às vezes pareçam, mas porque conseguem fazer isso com vínculo, constância e escuta. A verdadeira autoridade não vem do grito, mas do olhar que acolhe e sustenta, vem da intimidade.
E para que escola e família caminhem juntas, é preciso aquela receita mais do que conhecida: a parceria. Não dá para a criança viver em um ambiente sem regras em casa e num outro ambiente com regras na escola. Os limites não precisam ser idênticos, mas, coerentes. No Caracol, que é a minha escola, sempre que possível, fazemos rodas de conversa com as famílias, os convidamos para participarem dos projetos, das exposições. Criamos pontes. Porque cuidar de uma criança é, muitas vezes, cuidar também dos adultos que as educam.
Termino com uma dica simples, mas poderosa: envolvam as crianças nas decisões possíveis. Leiam histórias, criem combinados, conversem sobre sentimentos. E fiquem atentos às suas atitudes, pois as criança aprendem muito mais com o que a gente faz do que com o que a gente diz.
Limites, quando bem colocados, não aprisionam, nem traumatizam. Dão contorno e proteção. E no fundo, toda criança e todo adulto precisa mesmo é disso: um chão seguro para crescer.
Dicas de leitura
Livros para conversar sobre limites e emoções com as crianças (e com a gente também!)
Para crianças:
- Rita, Não Grita! – Flávia Muniz (Melhoramentos)
- NÃO! – Tracey Corderoy e Tim Warnes (Ciranda Cultural)
- E Agora, Dora? – Jéssica Marzo e Thiago Amormino (Matrescência)
- Eu Fico Irada! – Sandra V. Feder e Rahele Jomepour Bell (Pallas)
Para pais e professores:
- Educação Não Violenta – Elisama Santos (Paz e Terra)
- Mitos da Parentalidade – Renato Caminha (ArtMed)
- Eu Era Uma Ótima Mãe Até Ter Filhos – Trisha Ashworth e Amy Nobile (Sextante)