Com a imunização contra a covid-19, surgiram muitas dúvidas se as vacinas podem, de fato, causar tromboses. O assunto ficou ainda mais em alta quando em maio deste ano a Anvisa suspendeu a vacinação da AstraZeneca em gestantes depois de uma “reação adversa”.
Apesar dos episódios considerados raros, é importante entender o que é a trombose, como ela acontece e se é possível prevenir. Para tirar as principais dúvidas sobre o tema e esclarecer os mitos e verdades da doença, conversamos com a Dra. Joyce Annichino, hematologista e professora do departamento de clínica médica da Unicamp.
O que é trombose?
A trombose é uma complicação nos vasos sanguíneos que coagula o sangue e obstrui o fluxo normal. Dependendo do local afetado e do quadro do paciente, os sintomas da condição podem variar. Na maioria dos casos, eles envolvem inchaço, vermelhidão, limitações de movimento, entre outros.
Vacinas podem causar trombose?
Verdade. Mas, os casos são muito raros e podem acontecer de maneira isolada. “As tromboses desencadeadas pelas vacinas ocorrem por um mecanismo chamado de imunomediado, isto é, decorrente de uma reação imunológica, que envolve as plaquetas, e que é chamada de trombocitopenia trombótica induzida por vacina, ou VITT. Há um aumento do risco de trombose, mas isso não deve ser uma contraindicação para a utilização dessas vacinas – mesmo em pacientes que já tenham tido trombose”, explica a médica.
A trombose relacionada à covid-19 é diferente da tradicional?
Mito. Os pacientes com covid-19 apresentam um risco mais elevado de trombose, justamente pela própria infecção, mecanismo inflamatório grave e alterações imunomediatas. “Além disso, a imobilização e as insuficiências renal e hepática também contribuem para o aparecimento da trombose. Esse perfil de alterações e de fatores de risco também podem ser encontrados em outras infecções ou em tromboses desencadeadas por outros motivos. Exemplos são o uso de contraceptivos, gestação, cirurgias, câncer, entre outros. Clinicamente, podemos ter casos mais leves ou até os mais graves, com embolia de pulmão, tromboses em inúmeros vasos e tromboses extensas. Mas não é específico da covid-19”.
Quem já teve trombose, tem risco de ter novamente?
Verdade. Quando uma nova trombose aparece, ela recebe o nome de retrombose. Dependendo do local onde a primeira condição apareceu, o coágulo, ou trombo, pode não ser dissolvido e interromper a circulação. Mas, segundo a especialista, é importante diferenciar a trombose arterial da venosa.
- Trombose arterial: “Quando você obstrui uma artéria, ela estava levando sangue oxigenado. Se há uma obstrução total, o órgão ou tecido que deixou de ser irrigado, pode necrosar de forma muito rápida”.
- Trombose venosa: “Obstrui o vaso que traz o sangue, que está voltando de um órgão ou membro, para o coração. O mais comum é a trombose das pernas e, nesse caso, pode ocorrer uma inflamação local, inchaço e dor”.
Apesar da trombose venosa ser menos grave, ela possui um risco de desprendimento de um pedaço do trombo inicial. Dessa maneira, ele pode chegar aos pulmões e causar uma embolia pulmonar. Por isso, é muito importante que o paciente consulte um especialista e tenha o acompanhamento médico.
Se o paciente tiver um caso de trombose após a vacinação, o que ele pode sentir?
De acordo com Joyce Annichino, o paciente terá sintomas decorrentes da queda das plaquetas, que incluem: manchas roxas pelo corpo ou outros sangramentos. “Os sintomas da trombose vão depender do local acometido. Nas pernas, podemos ter dor, aumento do volume e temperatura elevada. Já a trombose de vasos do abdome pode causar dor importante e alteração intestinal. A trombose cerebral, que tem sido bastante associada a trombose induzida pela vacina, pode causar dor de cabeça importante, alteração visual, convulsões, até sintomas semelhantes a um derrame. O importante é que as pessoas tenham conhecimento, mas não se apavorem achando que qualquer sintoma após a vacinação é uma trombose. Apesar dessa complicação da vacina, as pessoas não devem deixar de se vacinar, a não ser casos em que o imunizante seja totalmente contraindicado”, comenta.
Crianças também podem ter trombose?
Apesar de ser mais rara do que nos adultos, as crianças também podem ter trombose. No grupo infantil, ela está geralmente associada à presença de câncer, uso de cateteres venosos, cateterização da veia do umbigo, traumas e hospitalização.
É verdade que a maioria das tromboses acontecem durante viagens de avião ou ônibus?
Mito. As viagens em si não são um fator de risco importante para a trombose. Mas, nos voos que durem mais do que seis horas, existe um risco um pouco maior, especialmente para os passageiros que sejam altos ou baixos demais pela relação com os assentos dos aviões. Para prevenir, a hematologista recomenda que: “Tome bastante líquido, evite excesso de álcool e, de vez em quando, dê uma caminhada, ou pelo menos movimente a perna mesmo sentado”.
Apenas idosos podem ter trombose?
Mito! A idade pode ser um fator para um maior risco de trombose, mas não é o único. Vale lembrar que pessoas de qualquer idade podem ter a condição. Há um risco aumentado para pacientes com obesidade, diabetes, hipertensão e alto nível de colesterol.
Pessoas com perfil atlético podem ter trombose?
Sim, podem. É evidente que quanto melhor o estado físico de saúde de uma pessoa, menores serão as chances de ela ter uma doença. No entanto, existem casos de trombose venosas ligadas à lesões esportivas. Um exemplo foi o que acontecer com a jogadora de tênis americana, Serena Williams, em 2010, que acabou tendo coágulos de sangue no pulmão, levando a uma embolia pulmonar.
Segundo a Dra. Joyce, esse não é um caso raro de se encontrar nos consultórios. “Muitas vezes, eles acham que foi uma trombose espontânea, sem fator de risco nenhum, mas quando a gente investiga com mais cuidado, descobre que ele teve uma lesão ou distensão, seguido de dor e inchaço – que pode ter ocasionado a um trauma no vaso, que levou à trombose venosa”.
Trombose pode causar derrame?
Verdade. O derrame pode ser classificado como a diminuição da passagem de sangue na região do cérebro, causado geralmente por uma trombose arterial. Neste caso, a artéria fica entupida por um trombo e o tecido cerebral passa pelo processo de necrose. “Dependendo do tempo que o paciente demora para conseguir o tratamento, a redução do fluxo sanguíneo na região, potencialmente, prejudicaria a sua recuperação, podendo alterar a fala, ou ocasionar numa paralisia de algum membro ou total”, diz Annichino.
Como prevenir trombose
O primeiro passo é ter bons hábitos de saúde, como praticar exercícios físicos e ter uma alimentação balanceada. Nas tromboses causadas por lesões em exercícios, é muito importante prestar atenção nos locais que possuem dores e inchaços desproporcionais no dia seguinte.
Sempre que o paciente notar algo fora do comum, é muito importante buscar pela ajuda de um médico especialista. “Cirurgias, casos onde o paciente deverá ficar imobilizado, indicação de anticoncepcional com estrogênio e hospitalizações. Esses são alguns casos que vale levantar um questionamento ao médico quanto a esse risco”, finaliza Dra. Joyce.