Imagine sentir uma coceira tão intensa que você chega a machucar a própria pele. Assim é a vida de quem tem Síndrome de Alagille, uma condição genética rara, mas que causa grandes impactos físicos, emocionais e sociais. Agora, um novo tratamento recém-aprovado pela Anvisa promete dar um alívio real para os pacientes.
Quando a coceira vira protagonista
Essa doença é causada por mutações nos genes JAG1 ou NOTCH2, e afeta principalmente o fígado, mas pode atingir também o coração, os rins e até a aparência física. Os sintomas costumam aparecer nos primeiros meses de vida e, entre eles, está um dos mais cruéis: a coceira incontrolável.
“A criança não dorme, não come, não se concentra. É algo que interfere completamente na rotina familiar”, diz a pediatra e gastroenterologista infantil Elisa Carvalho, que acompanha casos no Hospital da Criança de Brasília.

A luta diária das famílias
A logística Carla Franco de Almeida sabe bem o que isso significa. Ela precisou deixar o trabalho para cuidar da filha Maya, diagnosticada com Alagille com apenas um mês de vida. “Ela se coçava tanto que se feria. Era muito difícil vê-la daquele jeito”, conta Carla.
E essa não foi a primeira vez que a síndrome cruzou seu caminho. Seu primeiro filho, Ravi, também nasceu com a condição. “Nunca imaginei que eu mesma tinha a síndrome, já que nunca tive sintomas graves. Foi com o diagnóstico dele que percebi os sinais em mim”, relembra.
Infelizmente, Ravi faleceu com menos de três meses de vida, mas sua história serviu como alerta precoce no caso de Maya, permitindo que o diagnóstico viesse mais rápido e o tratamento fosse iniciado o quanto antes.
Diagnóstico que muda o jogo
Um dos maiores desafios da doença é o diagnóstico, que muitas vezes leva tempo por ser confundida com outros problemas hepáticos. Mas, com atenção aos detalhes, como pele amarelada persistente, fezes claras e, claro, a coceira descontrolada, é possível levantar suspeitas logo cedo.
Foi o que aconteceu com Vicente, filho de Camila Morales, de apenas um mês quando os primeiros sinais apareceram. “Ele tentava se coçar o tempo todo e estava ficando muito amarelo. Tive a sorte de encontrar uma médica que conhecia a síndrome e pediu os exames certos logo de cara”, relata.
A esperança chamada Maralixibate
Camila e Vicente participaram de um estudo clínico com o Maralixibate, um medicamento voltado para o tratamento do prurido (coceira) causado pela colestase, comum na Síndrome de Alagille. E o resultado foi um salto na qualidade de vida. “Hoje o Vicente está ótimo! Engordou, está do tamanho que deveria estar para a idade e, o melhor, sem se machucar de tanto coçar. É outro menino!”, comemora a mãe, que agora compartilha sua experiência nas redes sociais para apoiar outras famílias.
E tem mais: além de aliviar a coceira, os estudos com o Maralixibate mostram que ele pode até reduzir a necessidade de transplantes de fígado no futuro, o que muda completamente o panorama da doença.
Mesmo sendo uma síndrome genética, nem todos os casos são iguais. Tem gente que passa a vida sem saber que tem a doença, enquanto outros enfrentam desafios sérios com o fígado, o coração ou os rins. “O comprometimento dos órgãos varia bastante. É uma condição complexa e muito individual”, explica a Dra. Elisa.
Final feliz é possível
Apesar de rara, com cerca de 1.300 casos no Brasil e apenas 200 acompanhados oficialmente, a Síndrome de Alagille ganhou os holofotes com o avanço no tratamento. Hoje, as famílias podem ter esperança de ver seus filhos crescendo com mais conforto, menos dor — e sem aquela coceira insana que parecia não ter fim.
E se tem uma coisa que essas histórias mostram, é que o diagnóstico precoce e o acesso ao tratamento certo fazem toda a diferença. A ciência avança, e junto com ela, a chance de uma vida melhor para crianças como Maya e Vicente.