Em fevereiro de 2020 recebemos a triste notícia que um vírus mortal estava se espalhando pelo mundo e fatalmente, em algum momento, chegaria ao Brasil. Eu, que sou médica infectologista, sabia que ele viria de uma forma trágica, pois os dados lá fora não estavam muito animadores e se tratava de um microrganismo em que não conhecíamos nada, desde o diagnóstico, prevenção e tratamento.
O Coronavírus chegou e, na segunda quinzena de março, as medidas de isolamento em São Paulo foram instituídas. De repente, me vi numa situação dramática: duas crianças, Marina com 9 anos e Lorena com 7 anos, e marido presos dentro de casa e eu, profissional da linha de frente, tendo que organizar, junto da equipe do hospital, todos os protocolos de seguranças (que foram centenas deles) e atender os pacientes com uma doença misteriosa. E para contribuir a angústia: Lorena tem T21 (trissomia do cromossomo 21- Síndrome de Down), que passou a não entender nada do que estava acontecendo.
Eu, chegava em casa todos os dias e fazia toda a desinfecção dos pertences com álcool. Limpava sapatos. Tomava banho. Lavava toda a roupa. Tudo para garantir que o vírus não adentrasse em casa via superfícies. Porém, havia o eterno medo de contrair a doença no meio de trabalho, ou mesmo circulando na rua, pois isso estava acontecendo bem ao me lado. Perdi vários colegas de trabalho em curto espaço de tempo. E me perguntava se estava correto ficar em casa com minha família ou se deveria me afastar deles, para evitar possíveis contágios intradomiciliar.
Após conversa com meu marido e amigas mães, decidimos que não sairia de casa. Eu já estava muito fora do meu prumo, extremamente ansiosa e exausta para me afastar das pessoas que me davam apoio. E estava usando todos os equipamentos de proteção individual no hospital, bem como somente saindo de casa para trabalhar. Fiquei mais tranquila.
E assim, começamos a pandemia no Brasil: deixando todos de cabeça para baixo. O meu sono não é reparador como antes. O cansaço me agarra cada vez mais. A incerteza sobre o dia de amanhã é apavorante. Enfim, a mente opera em outra frequência na era da Covid-19.