Uma das maiores dificuldades enfrentadas por muitas crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) não tem forma nem cor, mas impacta diretamente o dia a dia: lidar com as emoções. Nomear o que se sente, entender o que se passa por dentro e identificar os sentimentos dos outros pode parecer simples para alguns, mas é um verdadeiro desafio para crianças com autismo — e isso afeta muito mais do que imaginamos.
Segundo um estudo da Universidade de Cambridge, publicado no Journal of Autism and Developmental Disorders, o cérebro de crianças com TEA reage de maneira diferente diante de expressões emocionais. A amígdala, parte do cérebro ligada à leitura emocional, tem uma ativação menor quando essas crianças observam rostos com medo ou tristeza, por exemplo.
Além disso, dados da organização Autism Speaks apontam que mais de 80% das crianças com autismo apresentam dificuldades para compreender sinais sociais e emocionais. E isso interfere diretamente na capacidade de fazer amigos, se expressar ou até participar de atividades em grupo.
“Não é que essas crianças não tenham emoções — elas têm, e muitas vezes com muita intensidade. A dificuldade está em nomear o que estão sentindo, entender o que acontece dentro de si e reconhecer as emoções dos outros”, explica Alessandra Santos, pedagoga especialista em educação, diversidade e inclusão, e diretora do Centro de Educação e Inclusão Social Betânia (CEISB), que atende cerca de 300 crianças.
Isolamento não é proteção — inclusão é caminho
Ainda hoje, muitos acreditam que o melhor é manter a criança com autismo mais afastada, em um ambiente controlado e previsível. A intenção pode até ser de proteção, mas os especialistas alertam: isso pode comprometer o desenvolvimento emocional e social.
Segundo o Ministério da Saúde, a inclusão escolar e social é essencial para o desenvolvimento integral da criança com TEA. O contato com outras crianças oferece experiências riquíssimas que fortalecem a comunicação, o entendimento emocional e a autonomia.
“Socialização não é um bônus, é uma necessidade. Mas, para que ela aconteça de forma positiva, é fundamental preparar a criança para esse contato — e isso começa por ajudá-la a reconhecer e expressar suas próprias emoções”, reforça Alessandra.
5 estratégias práticas para ajudar no reconhecimento das emoções
Felizmente, é possível — e necessário — apoiar as crianças com TEA no processo de alfabetização emocional. Com pequenas ações no dia a dia, é possível abrir caminhos para mais compreensão, empatia e bem-estar. Veja algumas dicas valiosas:
Use recursos visuais no dia a dia
Cartazes com rostos, livros ilustrados e rodas das emoções são aliados de peso para ajudar a criança a associar sentimentos com expressões e palavras. Um exemplo interessante é o Nomeando as Emoções, da BRW — um kit de cartas magnéticas coloridas e ilustradas que pode ser usado na geladeira ou quadro branco, tornando a experiência mais interativa e visual.
Brincadeiras no espelho
Que tal brincar de fazer caretas juntos? Peça para a criança mostrar como é a cara de quem está com medo, feliz ou bravo. O espelho ajuda na percepção do próprio rosto e na imitação de expressões, o que desenvolve a leitura emocional.
Crie histórias sociais
Contar (ou inventar) histórias com personagens passando por situações cotidianas ajuda a criança a entender o que os outros sentem. Essas histórias podem ser feitas com desenhos simples, teatro de fantoches ou até com aplicativos educativos.

Valide e nomeie os sentimentos
Na hora da birra, da alegria ou até do cansaço, é importante dar nome ao que está acontecendo. Dizer frases como “Você está bravo agora, né?” ou “Ficou feliz com isso!” ajuda a criança a fazer a conexão entre o sentimento e sua expressão.
Ambiente seguro e previsível faz toda a diferença
Uma rotina organizada e adultos acolhedores são essenciais para que a criança se sinta segura para expressar o que sente. A previsibilidade reduz a ansiedade e fortalece o vínculo emocional.
A importância da rede de apoio
A jornada da criança com TEA não depende só dela — é um trabalho em equipe. Família, escola e sociedade precisam caminhar juntas, promovendo inclusão, oferecendo suporte e celebrando cada conquista, por menor que pareça.
“É possível ensinar empatia — e também aprender a sentir com mais consciência. Isso vale para todos, com ou sem diagnóstico”, reforça Alessandra. “Crianças com autismo têm o direito de viver plenamente em sociedade. Não precisam ser moldadas para se encaixar, mas compreendidas, acolhidas e estimuladas com respeito. E tudo começa ao ajudá-las a entender o que sentem.”
Com amor, paciência e as ferramentas certas, cada passo rumo à inteligência emocional vira uma vitória — e, mais do que isso, uma ponte para um mundo mais empático e acolhedor.