Isolamento, filhos, marido, família, casa, trabalho… Se você não arrumar um tempo para si mesma, a rotina se transforma em uma bola de neve e a avalanche, com certeza, virá com tudo. As mulheres são as mais suscetíveis a passar por complicações de saúde mental durante a pandemia da Covid-19, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso porque elas costumam ser as responsáveis pelos cuidados com as tarefas domésticas, além dos cuidados consigo mesmas e com o trabalho. Não à toa, a situação tende a piorar para as mulheres que são mães.
O levantamento ‘O impacto da pandemia do coronavírus e do isolamento social: Examinando indicadores de comportamento da criança e da parentalidade’, realizado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto comprovou isso, ao apontar que 63% das mães entrevistadas apresentaram sintomas depressivos, além de 34% relatarem sentimentos negativos (como ansiedade e medo) no período de isolamento. Toda a carga já exaustiva da parentalidade foi multiplicada exponencialmente, uma vez que as famílias se mantiveram em casa, sem contatos e distrações externas.
Um estudo ministrado pelo departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP apontou que 41% das mães relataram dificuldade em lidar com os filhos durante a pandemia. O isolamento, as tarefas domésticas, todos os cuidados com as crianças, as incertezas e receios em relação ao mundo, a carga profissional, a autocobrança e a falta de autocuidado impactaram profundamente estas mulheres. Cinthia Calsinski, enfermeira obstetra, consultora de amamentação e colunista da Pais&Filhos, mãe de Matheus, Bianca e Carolina, sentiu isso em dose tripla.
“Nossa cabeça [de mãe] não para! Durante o isolamento foi a primeira vez que senti o peso de três filhos. Em algumas situações, batia desespero mesmo”, desabafa. A especialista reforça que foi tenso passar por tudo isso e em várias ocasiões se sentiu sem energia, principalmente com os desafios das aulas online. Kiusam de Oliveira, Doutora em Educação, filha de Erdi, destaca que esses relatos não a surpreendem, pois quem trabalha com enfoque nas mulheres sabe que as crises históricas afetaram e continuarão a afetar diretamente as mulheres, por conta do machismo: “O impacto de tais obrigações sob a responsabilidade feminina imputa à mulher uma sobrecarga física, mental, emocional e espiritual provocando estresse, ansiedade, depressão, esgotamento, tristeza profunda, melancolia e muito medo para além da própria culpabilização”, constata.
Sem filtro, aqui é mundo real
Assim, é preciso desmistificar aquela história que a mulher tem o dom da maternidade, isso apenas colabora para uma maior pressão e frustração. “O pai é tão responsável pela dinâmica familiar quanto a mãe e, nesse sentido, deve promover ações a fim de demonstrar que realmente se importa em dividir e compartilhar responsabilidades, pois certamente, tal posicionamento evitará a sobrecarga feminina”, completa Kiusam. Ela defende que, acima de tudo, as mães respeitem o próprio tempo para se adaptar a uma nova realidade completamente inimaginável há alguns anos, evitando se culparem por algo que não está no controle delas.
“Reconheça a sua humanidade, cure o corpo, a mente e o espírito e caminhe sabendo que está dando o seu melhor”, recomenda. É o momento de oferecer o possível e aceitar o próprio luto diante deste cenário mundial. Amanda Pereira, embaixadora da Pais&Filhos, mãe de Jorginho, de 2 anos, assume que tem o complexo de “Mulher-Maravilha”, embora tente combater essa visão. “Quando eu vejo, já estou fazendo. O que volta para mim, então, é um cansaço quase que constante, porque essa jornada contínua é exaustiva e exige não só fisicamente, mas emocionalmente, psicologicamente… Então, eu não sinto que em nenhum momento eu consigo realmente desligar e relaxar”. Para ela, a pressão e pitacos externos só aumentam o desgaste e a culpa materna.
Ela, que viveu praticamente o puerpério todo na pandemia, completa: “Eu me senti muito cansada, esgotada, frustrada. Você quer ser cuidada e acolhida, mas você não tem isso. Você tem que cuidar e acolher, na verdade. Isso mexe em lugares, feridas e questões mais profundas do nosso emocional”. Até por esse motivo, Amanda voltou a fazer terapia e tem muito orgulho desta decisão. “A gente viu mais divórcios, suicídios, doenças emocionais, mais pessoas precisando tomar remédios e uma série de outros problemas emocionais e mentais nesse período. A gente vê o planeta doente com tantas mudanças climáticas e tragédias. É difícil a gente ficar imune a tudo isso e fazer o jogo do contente”, comenta.
Está tudo bem não estar tudo bem
E é isso mesmo. Saúde mental não significa estar alheio ou até viver em um mundo ilusório em que se é feliz o tempo todo e sempre está tudo bem. De acordo com a OMS, saúde mental se refere ao indivíduo desenvolver habilidades para lidar com as adversidades, que fazem parte da vida. Kiusam acrescenta: “Está ligada à forma como uma pessoa reage aos desafios e exigências da vida, harmonizando ideias e emoções”. Justamente por isso, cuidar da saúde mental deve ser tratado como prioridade, e não apenas durante um período conturbado como o da pandemia, mas pensando no bem-estar efetivo ao longo do tempo. Caso contrário, os detalhes da rotina vão formando uma bola de neve praticamente insustentável.
Para Amanda, a jornada no home office se mistura bastante e acarreta em uma rotina muito massacrante. “Um dia é muito parecido com o outro. Às vezes, eu passo muitos dias sem ver a rua, o horizonte, o sol…”, diz ao revelar que sente falta de quebras no dia a dia. E esses intervalos são fundamentais segundo a doutora em psicologia e CEO do Mamis na Madrugada, Vanessa Abdo, mãe de Laura e Rafael. “É preciso colocar limite físico e mental do que a mulher aguenta fazer e colocar minutos/pílulas de prazer ao longo do dia. Não são coisas complexas, mas pequenos momentos que reconectam e relembram que nós somos seres humanos e não máquinas”, justifica, “A gente precisa ter momentos felizes todos os dias. Não dá pra ser feliz só no fim de semana e nas férias”. Afinal, só cria um filho feliz, uma mãe feliz.
A psicóloga nomeia de “carga mental” todos os assuntos que as mulheres carregam consigo e ela é formada por infinitas camadas de ações e definições que elas assumiram que precisam resolver. E essa carga ficou ainda mais exacerbada na pandemia por conta das complicações já citadas acima, o que, consequentemente, resulta na exaustão. “Essa geração de mães vem com uma cobrança muito forte no nível da perfeição. Essas mulheres são multifacetadas, complexas e foram criadas para serem excelentes em tudo. Mas essa exigência não é viável, possível e nem saudável”, expõe. São muitos os pratinhos que as mães precisam mexer, então é necessário adequar isso a sua realidade.
Descentralize, reduza o padrão de exigência, peça ajuda! “As mulheres precisam cuidar da sua saúde mental para conseguir, sem idealizar ou romantizar, entregar tudo o que precisam”. Aline Barbosa, professora, dona do perfil Mãe Crespa no Instagram, desabafa que como mãe solo de Laura, Vicente, Joaquim e Antônia, a carga é maior ainda. “Hoje, passando 24 horas por dia em casa e com as crianças, minha rotina ficou dez vezes mais cansativa, pois além de todas as atribuições da maternidade, tenho o trabalho e as tarefas da casa”, conta, “O esgotamento mental fez com que eu tivesse diversas crises de ansiedade, vontade de sumir, nunca mais usar redes sociais, então fiz várias pausas durante este período”.
Vanessa Abdo defende: “Se não for divertido, não é sustentável. Então é necessário se divertir, apesar dos pesares”. Aline assume que demorou para perceber que precisava cuidar da saúde mental: “Estava fazendo tudo no automático e desmotivada”. Isso foi bastante comum, uma vez que as tarefas das mães aumentaram bastante, mas a duração do dia se manteve em 24 horas. Porém, ao perceber os sinais de que esse cansaço é persistente, é necessário procurar ajuda, como de um psicólogo. Lia Bock, jornalista e escritora, mãe de Ernesto, Matias, Amora e Tulipa, e madrasta de Cora, diz que demorou para se adaptar à rotina da pandemia. “Quando eu tive as minhas pequenas gêmeas, eu tive muita consciência de que não iria conseguir dar conta dos meus filhos sozinha, eu e meu marido iríamos precisar dos avós, amigos… E a pandemia acabou com esse sonho e a gente teve que dar conta”, pontua. Para ela, foi um período complexo, com muitos altos e baixos, até que em maio deste ano, a cobrança veio: “Eu explodi. Estava esgotada, não aguentava mais”.
Você merece respeito
Silvia Lobo, psicóloga e psicanalista, autora do livro “Mães que fazem mal”, mãe de Adriana, Suzana e Maurício, afirma: “A saúde mental merece sempre cuidado. O cotidiano oferece sem aviso surpresas, exigências, que tiram as pessoas da casa e do lugar. Assim, ter flexibilidade, capacidade de improviso e boa vontade são recursos psíquicos preciosos a não perder”. A divisão de tarefas com o marido, para Lia, foi fundamental para fazer acontecer. “A gente ficou bem na gincana da vida: café, almoço e jantar, lavar a louça e tomar banho, arrumar a casa, limpar. O que eu fiz para manter a saúde mental foi tentar fazer tudo isso com a maior leveza possível e muito vinho também, porque ajuda”, brinca.
O cuidado com a relação amorosa, reservando um tempo para o casal e as conversas nos grupos de WhatsApp com as amigas também foram essenciais. Silvia Lobo reforça que uma mãe em dia com a saúde mental apresenta não apenas maior capacidade de conviver com as próprias emoções e desafios, mas em tolerar a convivência sem cobrar de outros perfeição. É uma visão mais solidária para si e para o mundo. Assim, ao invés da culpa diante das falhas, pode rir delas e também dar valor às qualidades que possui. ”Dar conta de tudo faz parte das exigências que muitas mulheres esperam de si próprias. Exigência motivada por amor, aprendizado e vaidade. Talvez as mães devessem ser alertadas que ao tentarem dar conta de tudo, com certeza deixam importâncias de lado. Vale a pena avaliarem o quê. Filhos? Lazer? Cuidado consigo?”, questiona a psicanalista.
A sua felicidade importa, não se deixe de lado. Você deve ser tanto sua prioridade quanto os seus filhos e opção de lazer é o que não falta nas nossas seções “Mãe também é gente”, navegue pelo site ou resgate as revistas e se inspire! E aqui não tem nada de bancar a super-heroína, mas justamente o oposto. Seja menos! Não se sabe sobre como será o futuro. Você pode ter a certeza que é o máximo, e não apenas como mãe, porém a sobrecarga não faz bem para ninguém. Menos é menos (e que bom!), porque são justamente as coisas simples do dia a dia que tornam a vida tão gostosa de viver.
Seja a sua prioridade
Algumas formas de você cuidar da sua saúde mental a partir de já
- Mudar a chave de que ser mãe é equivalente a ser santa;
- Desconstruir a ideia de que ser mãe é padecer no paraíso;
- Delegar as tarefas de casa com todos que lá moram;
- Reservar um tempo para oxigenar as ideias, ficando só;
- Eliminar a possibilidade de se comparar com outras mães;
- Meditar é preciso para se conectar, pelo menos, com o seu eu superior;
- Brincar é divertido e mantém viva a sua criança interior;
- Fazer terapia pode ajudar;
- Reunir amigas e amigos para conversar e rir;
- Criar pílulas de prazer na rotina para fazer o que desejar;
- (Re)organizar a rotina, a previsibilidade ajuda;
- Compartilhar energia amorosa e de expansão sempre que possível.
Momento mãe também é gente
Para ter um gostinho do que você encontrará na nossa seção, trazemos alguns spoilers
- Fazer exercícios: pode usar a criatividade, o que não pode é arrumar mais desculpas para deixar esse momento para depois.
- Tirar um day off: a rotina das mães é praticamente uma maratona. Então, vale ter um tempo pra respirar e renovar as energias.
- Se arrumar para o home office: ficar em casa não é motivo para parar de se cuidar e os rituais são importantes pra entrar na rotina de trabalho.
- Maratonar uma série: passar um tempo em frente à TV pode ser a solução perfeita para desligar após um longo dia. Prepare a pipoca e aproveite.
- Escrever sobre tudo ou nada: não é preciso ser um Machado de Assis para colocar as ideias no papel e transformar em arte.
- Comprar presente para você mesma: isso mesmo, de você pra você. Não precisa nem contar para ninguém! Se surpreenda. Se faça feliz.
- Tomar um banho demorado: pode parecer uma missão impossível, mas é uma ótima forma de relaxar e aproveitar um momento seu.
- Sair do chão: seja em casa, sozinha, com a família ou os amigos! O importante é ser feliz. Divirta-se. Você merece isso!
- Ler um livro: escolha um bom romance, uma bela biografia, um livro de aventura e desligue! Livros têm poder, você sabe.